CASOS CLÍNICOS 2
METABOLISMO DO HEME E DO FERRO
DISCIPLINA DE BIOQUÍMICA
PROF. DR. LUIS CARLOS F. CARVALHO
SOBRECARGA DE FERRO E INFECÇÃO
Se um indivíduo receber uma
sobrecarga de ferro por qualquer causa, o valor de transferrina no soro pode estar
próximo da saturação com ferro, tornando disponíveis pequenas quantidades de
ferro livre no soro. Microrganismos que geralmente são não-patogênicos, porque
são ferro dependentes e não podem competir com transferrina parcialmente
saturada no indivíduo normal, podem agora ficar patogênicos nestas circunstâncias.
Por exemplo, Vibrio vulnificus, um halófilo marinho, é encontrado em uma pequena
porcentagem de ostras e mariscos comerciais. Indivíduos com sobrecarga de ferro
podem desenvolver uma infecção de progressão rápida, com morte ocorrendo em 24
h após a ingestão do alimento contaminado, enquanto indivíduos normais consumindo
o mesmo alimento não apresentam nenhum sintoma.
PATOGENICIDADE MICROBIANA E FERRO
Bactérias requerem ferro para
crescimento, secretando compostos de baixo pelo molecular, os sideróforos, que ligam
fortemente o metal e trazem o complexo do metal para o microrganismo. Entretanto,
como observado na Correlação Clínica 21.1, a ligação forte com transferrina
geralmente torna ferro não-disponível, a menos que a proteína esteja saturada, com
excesso de metal livre presente. Entretanto, se acidose ocorrer, a queda no pH
reduz muito a afinidade de transferrina pelo metal. Esta é uma das muitas
características relevantes à susceptibilidade aumentada a infecções em diabetes
mellitus. Uma fonte diferente de ferro é utilizada por Staphylococcus aureus. Este
micróbio secreta uma hemolisina, rompendo a membrana de alguns poucos
eritrócitos. A hemoglobina liberada gera heme livre, que é transportado para o
coccus, onde enzimas bacterianas parecidas com heme oxigenase liberam ferro
livre.
SÍNTESE DO GRUPO FERRO-ENXOFRE E DOENÇA HUMANA
Grupos (clusters)
ferro-enxofre são sintetizados na mitocôndria e exportados para o citosol, um processo
pouco conhecido envolvendo chaperones mitocondriais e outras proteínas, algumas
com função ainda desconhecida. Uma mutação no gene do transportador humano ABC7
leva a uma forma de anemia sideroblástica, ligada ao cromossomo X, observada em
pacientes com marcha anormal (ataxia cerebelar) e com desenvolvimento
deficiente de proteínas ferro-enxofre citosólicas.
ATAXIA DE FRIEDREICH
Frataxina é uma proteína mitocondrial de função desconhecida, cujas mutações levam à doença ataxia de Friedreich, associada com marcada redução na concentração desta proteína. Frataxina é possivelmente necessária para formação de grupos ferro-enxofre. A doença é caracterizada por marcadas anomalias de marcha, insuficiência do músculo cardíaco e diabetes. Há grande aumento no acúmulo mitocondrial de ferro; entretanto, O ferro não é facilmente quelável. Nesta condição, uma expansão do triplete GAA, às vezes de mais de 1.000 vezes, no íntron 1 da frataxina é a causa da condição em cerca de 98% dos casos. Nenhuma anemia é observada nessa doença.
Ferro
é provavelmente absorvido de três formas do lúmen intestinal para a mucosa do
duodeno: como íon ferroso, como íon férrico e como heme. O mecanismo de absorção
do heme é desconhecido. O íon ferroso liga-se a uma proteína transmembrânica, o
transportador 1 de metal divalente (DMT 1), também conhecida como transportador
1 de cátion divalente (DOT 1) ou como proteína 2 de macrófago associada à
resistência natural (Nramp 2). A transferência de ferro depende de um mecanismo
acoplado a próton. Esta proteína é capaz de transportar outros metais como
zinco, manganês, cobalto, cádmio e chumbo. O membro original desta família de
proteínas, chamado Nramp, foi descoberto em macrófagos. Evidências recentes
sugerem que a função da última proteína é apresentar ferro para o macrófago,
permitindo que a célula realize importantes funções redox na resistência do
hospedeiro. O gene de DMT 1 contém 17 éxons. O mRNA pode sofrer splicing
alternativo na extremidade 3’, incluindo diferentes regiões 3'-não-traduzidas.
Uma forma contém um único elemento de resposta ao ferro 3’, indicando que
controle pós-transcripcional é possível para expressão. Postula-se que uma
ferrirredutase esteja intimamente associada com DMT 1.
No
estado de deprivação de ferro, a concentração de DMT 1 aumenta. O significado
da absorção de ferro férrico é controverso. Mucina no lúmen duodenal ajuda a
solubilizar íons férricos, com apresentação do metal para uma integrina, uma
proteína trans-membrânica consistindo de um heterodímero de 230 kDa. A
superfície citosólica da integrina interage com uma proteína solúvel de 56 kDa
conhecida como mobilferrina. A integrina transfere o ferro da superfície luminal para a citoplasmática da
célula, mobilferrina atua como um transportador citoplasmático de ferro, transferindo-o
para ferritina citosólica ou para o pólo oposto da célula. Mobilferrina responde
à deprivação de ferro não aumentando sua concentração, mas movendo-se do
citoplasma para as microvilosidades, ficando assim mais próxima do local de
influxo de ferro. Uma proteína transmembrânica, ferroportina 1, na superfície
basolateral da célula da mucosa transfere ferro do citosol e através do
endotélio para transferrina e, assim, atua como um exportador de ferro. O mRNA
desta proteína tem um IRE na região 5’-não-traduzida. Um alto nível de expressão
desta proteína também é observado nas células de Kupffer e nos macrófagos.
Ferroportina 1 transfere íons ferroso. Está intimamente associada com uma
segunda proteína, hefaestina, que é homóloga à ceruloplasmina; assume-se que
hefaestina atue como uma ferroxidase, convertendo o íon ferroso na forma
férrico e permitindo sua incorporação à transferrina. As diferentes
localizações dos IREs em DMT 1 e ferroportina 1 parecem ser contraprodutivas,
uma vez que seria de se esperar que ambas fossem reguladas positiva ou
negativamente de forma coordenada. A função aparente de ambas as proteínas é
controlar a apresentação de ferro para transferrina. Entretanto, em qualquer
estado de ferro, um RNA mensageiro seria estabilizado, enquanto o outro seria
inibido. Este ponto pode ser resolvido pela sugestão de que interação de
hepcifina com ferroportina, facilitando a degradação da última, pode ser a
característica de controle mais importante.
ELEMENTO DE RESPOSTA AO FERRO MUTANTE
Mutações simples foram
descritas no segmento de alça do elemento de resposta ao ferro do mRNA da
cadeia leve da ferritina, com uma quantidade aumentada de apoferritina sendo
sintetizada, mas sem um aumento no ferro total do corpo. Esta mutação leva a
uma afinidade 28 vezes menor para IRP-1, em um caso. O conteúdo de L-ferritina
do cristalino pode aumentar nove vezes em comparação ao conteúdo no cristalino
de indivíduos controles. Como conseqüência, cristais de cadeias leves puras de
ferritina aparecem no cristalino, levando a catarata. A síntese muito aumentada
de ferritina no cristalino pode levar a uma quantidade aumentada de reações
catalisadas por ferro, com dano lenticular oxidativo muito bem descrito. Uma
mutação numa família japonesa ocorre no IRE do mRNA da cadeia H da ferritina,
com um marcado aumento na afinidade por IRP. O seqüestro de IRPs leva à síntese
diminuída de cadeia H e síntese aumentada de cadeia L. Esta condição está
associada com aumento significativo no conteúdo de ferro do corpo, mas aparentemente
sem evidência de catarata.