CASOS CLÍNICOS 1
DISCIPLINA DE BIOQUÍMICA
PROF. DR. LUIS CARLOS F. CARVALHO
A via de oxidação do ácido glucurônico parece não ser essencial para o metabolismo humano de carboidratos, uma vez que indivíduos nos quais a via está bloqueada, não sofrem nenhum efeito.
Uma variação metabólica, chamada pentosúria idiopática,
resulta de atividade reduzida da L-xilulose redutase NADP-ligada, que reduz
xilulose a xilitol. Assim, indivíduos afetados excretam grandes quantidades de
pentose na urina, especialmente após ingestão de ácido glucurônico.
2. Ácido Glucurônico: Significado Fisiológico da Estação de Glucuronídeos
O significado biológico do ácido glucurônico inclui
conjugação com certas substâncias endógenas e exógenas para formar
glucuronídeos, em uma reação catalisada por UDP-glucuroniltransferase.
Conjugação com ácido glucurônico produz um composto fortemente acídico, que é
mais solúvel em água no pH fisiológico do que seu precursor e, portanto, pode
aumentar seu transporte ou excreção. A formação de glucuronídeo é importante em
desintoxicação de drogas, excreção de esteróides e metabolismo de bilirrubina.
Bilirrubina é o principal produto metabólico de quebra do heme, o grupo
prostético da hemoglobina. A etapa central em sua excreção é conjugação com
ácido glucurônico pela UDP-glucuronosiltransferase. Esta enzima pode levar de
vários dias a duas semanas após o nascimento para se tornar completamente ativa
no homem. A assim chamada “icterícia fisiológica do recém-nascido” resulta, na
maioria dos casos, da incapacidade de o fígado do recém-nascido formar glucuronídeo
de bilirrubina a uma velocidade comparável à da produção de bilirrubina.
A cepa mutante de ratos Wistar “Gunn” tem uma deficiência de UDP-glucuronosiltransferase, que resulta em hiperbilirrubinemia hereditária. No homem, um defeito semelhante ocorre na icterícia não-hemolítica congênita familiar (síndrome de Crigler-Najjar), na qual os pacientes são incapazes de conjugar eficientemente compostos exógenos com ácido glucurônico.
3. Substâncias dos Grupos Sanguíneos
A superfície dos eritrócitos humanos é coberta por um complexo
mosaico de determinantes antigênicos específicos, muitos dos quais são polissacaríteos
complexos. Há cerca de 100 determinantes de grupos sanguíneos, pertencentes a
21 sistemas de grupos sanguíneos independentes.
Os mais estudados são os do sistema ABO de grupos sanguíneos
e do sistema Lewis, estreitamente relacionado. Variação genética é alcançada por
glicosiltransferases específicas, responsáveis pela síntese dos determinantes
heterossacarídicos. O gene H codifica uma fucosiltransferase, que adiciona fucose
a uma galactose periférica do heterossacarídeo precursor. O alelo A codifica uma
N-acetilgalactosamina glicosiltransferase, o alelo B codifica uma
galactosiltransferase, e o alelo O codifica uma proteína inativa. Os açúcares
transferidos pelas enzimas A e B são adicionados ao oligossacarídeo
H-específico. O gene Lewis (Le) codifica outra fucosiltransferase, que adiciona
fucose a um resíduo periférico de N-acetilglucosamina do precursor. Ausência do
produto do gene H dá origem ao determinante Le específico, enquanto ausência de
ambas as enzimas H e Le é responsável pela especificidade. Elucidação das
estruturas desses oligossacarídeos determinantes representa um marco na química
de carboidratos. Este conhecimento é essencial para práticas de transfusão de
sangue e para propósitos legais e históricos. Por exemplo, pó de tecidos
contendo carboidratos complexos foi utilizado em análises sorológicas para estabelecer
o grupo sangiíneo de Tutankhamen e de seus prováveis ancestrais.
4. Carboidrato Marcador Comum de Direcionamento Lisossomal e Doença da Célula I
Doença da célula I, assim chamada em função dos grandes corpos
de inclusão presentes em células em cultura dos pacientes, caracteriza-se por
sinais clínicos e radiológicos graves, incluindo deslocamentos congênitos,
deformidades torácicas, hérnia, restrição de mobilidade articular e retardo no
desenvolvimento psicomotor. Essa doença congênita rara e fatal forneceu a
primeira conexão entre biossíntese de glicoproteínas e doença humana. Função
lisossomal é defectiva porque o conteúdo de hidrolases ácidas é baixo, devido a
uma incapacidade de gerar o resíduo de man-6-P. Sem esse marcador específico,
as hidrolases ácidas não são direcionadas aos lisossomos, mas são secretadas no
meio extracelular. Na maioria dos pacientes, a GIcNAc fosfotransferase, que
adiciona o resíduo de N-acetilglucosamina 6-fosfato, está defeituosa.
5. Aspartilglicosilaminúria: Ausência de 4-L-Aspartilglicosamina Amido-hidrolase
Alguns erros inatos do metabolismo humano envolvem acúmulo
de glicolipídeos, glicopeptídeos, mucopolissacarídeos e heteroligossacarídeos.
Essas doenças são causadas por defeitos na atividade de glicosidases lisossomais,
o que impedem o catabolismo de oligossacarídeos. Envolvem acúmulo gradual, em
tecidos e urina, de compostos derivados de degradação incompleta de
oligossacarídeos, e podem ser acompanhadas de anomalias esquélicas, hepato-esplenomegalia,
catarata ou retardo mental. Um defeito no catabolismo de oligossacarídeos
asparagina-N-acetilglucosamina-ligado leva a aspartilglicosilaminúria, na qual
uma deficiência de 4-L-aspartilglicosilamina amido-hidrolase permite acúmulo de
estruturas aspartilglicosamina-ligadas. Outras doenças envolvem acúmulo de oligossacarídeos
derivados de ambos glicoproteínas e glicolipídeos, que compartilham estruturas
de oligossacarídeos semelhantes.
6. Doenças de Glicolipídeos
Um grupo de doenças genéticas humanas surge de deficiências
em hidrolases, que agem predominantemente em substratos glicolipídicos,
resultando em acúmulo de produtos de glicolipídeos e gangliosídeos. Os sintomas
clínicos associados a cada um dos glicoconjugados podem variar muito.
Entretanto, devido à preponderância de lipídeos no sistema nervoso, tais doenças
frequentemente têm neurodegeneração associada e severa deterioração mental e motora.
7. Heparina é um Anticoagulante
Heparina é um glicosaminoglicano sulfatado de ocorrência
natural, que é usado para reduzir a tendência à coagulação de pacientes. Tanto
in vivo como in vitro, heparina impede a ativação de fatores da coagulação por
se ligar com um inibidor do processo de coagulação. O inibidor é antitrombina
III, um inibidor plasmático protéico de serino proteases. Na ausência de
heparina, a antitrombina III combina-se lentamente (10-30 min.) com vários
fatores de coagulação, formando complexos desprovidos de atividade proteolítica;
em presença de heparina, complexos inativos são formados em poucos segundos.
Antitrombina III contém um resíduo de arginina que se combina com a serina do
sítio ativo dos fatores Xa e IXa; assim, a inibição é estequiométrica. Deficiência
heterozigótica de antitrombina III resulta em risco aumentado de trombose
venosa e resistência à ação da heparina
8. Condrodistrofias Devidas a Defeitos de Sulfatação
Sulfatação é uma modificação essencial dos glicosaminoglicanos
nas várias famílias de proteoglicanos. O processo de sulfatação envolve
transporte de sulfato inorgânico para dentro da célula via transportadores da
membrana plasmática, sua transformação em fosfoadenosilfosfosultato (PAPS) via um
processo de duas etapas catalisado pela PAPS sintetase no citosol e, depois,
utilização por sulfotransferases citosólicas ou transporte de PAPS do citosol
para o complexo de Golgi para utilização por um elenco de sulfotransferases
luminais. Três doenças autossômicas recessivas, displasia diastrófica (DTD),
atelosteogênese tipo II (AOII) e acondro-genesia tipo 1B (ACG-1B), resultam de
mutações no gene DTDST que codifica um transportador de sulfato. Pacientes com
DTD apresentam baixa estatura desproporcional e displasia articular generalizada,
mas geralmente têm tempo de vida normal;
ACG-1B é caracterizada por extremidades e tronco muito
curtos; AOII é uma condrodisplasia letal perinatal. Doenças genéticas que se
devem a defeitos na síntese de PAPS pela sulfurilase/quinase bifuncional (PAPS
sintetase) foram identificados tanto em animais (p. ex., o camundongo
braquimórfico que apresenta uma severa alteração de crescimento, resultando em
tronco e membros extremamente curtos e crânio pequeno) como no homem [ie., displasia
espondiloepimetafiseal (tipo Pakistani) caracterizada por membros inferiores
curtos e arqueados, articulações dos joelhos aumentadas e início prematuro de
doença articular degenerativa]. Essas mutações demonstram claramente a importância
desta modificação pós-tradução para o funcionamento dos proteoglicanos,
especialmente no desenvolvimento e na manutenção do sistema esquelético.
Doenças genéticas humanas caracterizadas por acúmulo e
excreção aumentados de oligossacarídeos de proteoglicanos são as
mucopolissacaridoses. Elas resultam de deficiência de uma ou mais hidrolases lisossomais,
que são responsáveis pela degradação de dermatam e/ou heparam sulfato. Síndrome
de Hurler e síndrome de Sanfilippo são autossômicas recessivas, enquanto a
síndrome de Hunter é ligada ao X. As síndromes de Hurler e de Hunter são caracterizadas
por anomalias esqueléticas e retardo mental que, em casos graves, podem
resultar em morte prematura. Em contraste, na síndrome de Sanfilippo os defeitos físicos são relativamente leves,
enquanto o retardo mental é severo. Coletivamente, a incidência das
mucopolissacaridoses é 1 por 30.000 nascimentos. Deficiência de sulfatases
múltiplas (MSD) é caracterizada por atividade diminuída de todas as sulfatases
conhecidas. Evidências recentes sugerem que uma modificação co- ou pós-tradução
de uma cisteína para ácido 2-amino-3-oxopropiônico é necessária para sulfatases
ativas, e que uma falta dessa modificação resulta em MSD. Essas doenças podem
ser detectadas por diagnóstico pré-natal, uma vez que o padrão metabólico das
células afetadas obtidas do líquido amniótico é muito diferente do normal.